Após décadas de promessas, projetos e metas que nunca foram cumpridas, a
despoluição da Baía de Guanabara esbarra agora na crise do estado.
Obras do Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da
Baía (Psam), iniciadas em 2012, poderão ser paralisadas no dia 20 de
março caso não entre em vigor o acordo que prevê socorro financeiro da
União ao Rio. O Palácio Guanabara diz que aguarda o aval do Tesouro
Nacional para estender por dois anos o prazo de vigência do contrato de
financiamento do Psam, firmado com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Por sua vez, o órgão federal afirma que a difícil
situação econômica do Rio impede a prorrogação.
O Tesouro informou que o estado pediu aprovação para o prolongamento do
contrato com o BID em 19 de outubro do ano passado, mas a solicitação
foi retirada de pauta "por causa do histórico de honras de garantia de
financiamentos do Estado do Rio". SECRETÁRIO VÊ DINHEIRO JOGADO FORA Os
investimentos previstos para o Psam chegam a US$ 639 milhões (R$ 1,96
bilhão), sendo US$ 451,9 milhões do BID e US$ 187,5 milhões de
contrapartida do Rio. A menos de um mês do fim do contrato com o banco, o
governo fluminense informou que foram gastos em obras US$ 82,2 milhões
do financiamento e US$ 11,5 milhões da parte do estado - os dois
valores, somados, representam apenas 15% do total estimado para o
programa. As informações são do Tesouro Nacional.
Segundo o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, licenciado do
cargo para as votações do pacote de austeridade fiscal na Assembleia
Legislativa do Rio (Alerj), 30% das obras do Psam foram executadas. - O contrato vence no dia 20 de março. O que vai acontecer? Mais uma
vez, as obras vão parar e jogaremos fora o valor já investido em canos e
equipamentos. Será um desperdício de recursos. Isso vai contra o
interesse público - alerta Corrêa.
Ainda de acordo com o secretário licenciado, a burocracia vem atrasando as obras do Psam:
- As duas obras em curso tiveram início na minha gestão, em 2015. Elas
demoram porque há questões burocrágistrados ticas, algo comum em um
grande projeto. Foram apresentados, por exemplo, diversos recursos por
parte da concorrência que ficou fora dos trabalhos. Uma empresa alemã
que entrou na Justiça. Há também o Tribunal de Contas do Estado, e o BID
segue todo um ritual burocrático.
O Psam prevê a construção de uma estação de tratamento de esgoto (ETE)
em Alcântara, no município de São Gonçalo. Além disso, faz parte do
programa a instalação de um tronco coletor na Cidade Nova, no Rio, que
seria ligado à ETE Alegria, no Caju.
De acordo com dados da Secretaria do Ambiente atualizados em 31 de
dezembro de 2016, apenas 29% das obras da ETE de Alcântara estão
prontos. Foram implantados 44 dos 92 quilômetros da rede de esgoto
prevista. Foram feitas ainda 5.185 ligações domiciliares, "o que
representa um avanço físico de 48%", segundo o órgão do estado.
Na Cidade Nova, está prevista a instalação de 4,2 quilômetros de troncos
coletores para a captação de esgoto do próprio bairro e de Centro,
Catumbi, Rio Comprido, Estácio e Santa Teresa. Hoje, o esgoto da região é
lançado sem tratamento no Canal do Mangue, que desemboca na Baía de
Guanabara. De acordo com o governo, "a cravação do coletor tronco está
em andamento com 1.253 metros de rede executada, equivalendo a 29% de
avanço físico".
Três eixos de obras do Psam estão com atividades paralisadas. Dois ficam
em Duque de Caxias, que ganharia quase 200 quilômetros de redes e
troncos coletores, além de 26 mil ligações domiciliares. O terceiro, em
Irajá, atenderia cinco bairros da Zona Norte carioca. O projeto
executivo dessas intervenções estão prontas, de acordo com a Secretaria
do Ambiente.
O fracasso de vários projetos de despoluição da Baía de Guanabara pode
ser traduzido pela redução de sua população de botos-cinzas. Dos 400
reem 1995, quando o projeto Maqua, do Departamento de Oceanografia da
Uerj começou a monitorálos, restam apenas 34. Com 17 municípios ao seu
redor, que reúnem mais de dez milhões de habitantes, a Baía recebe
diariamente cerca de 90 toneladas de lixo.
Entre as tentativas que não deram certo e desperdiçaram dinheiro público
está o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), realizado
entre 1995 e 2006. O PDBG atingiu a cifra de US$ 1,168 bilhão - o valor
previsto inicialmente era US$ 793 milhões, sendo US$ 350 milhões de
empréstimo do BID, US$ 294 milhões do banco japonês JICA e US$ 148
milhões de contrapartida do governo do Rio. "Ao final, o projeto recebeu
um aporte adicional de US$ 382,6 milhões como contrapartida do governo
estadual", diz a Secretaria do Ambiente, ao justificar o aumento no
valor total empregado no projeto.
De acordo com o movimento Baía Viva, o PDBG resultou na construção de
quatro estações de tratamento de esgoto e na reforma de outras quatro.
Porém ambientalistas afirmam que erros de planejamento tornaram as ETEs
ineficientes. Faltaram troncos coletores que ligariam as redes até as
novas estações.
- A maior parte das ETEs não trata quase nada. A do Caju é a que mais
trata, e só chega a 18% de sua capacidade. São Gonçalo trata 10% e
Pavuna, 5% - denuncia Sérgio Ricardo, integrante do Baía Viva. A Cedae foi procurada pelo GLOBO para comentar os números, mas não deu
resposta. De acordo com os últimos dados fornecidos pela empresa, o
tratamento de esgoto no entorno da Baía de Guanabara chega a 51%. A
equipe de reportagem questionou a Secretaria de Fazenda sobre a quitação
dos empréstimos referentes aos programas de despoluição, mas também não
obteve retorno.
Fonte: Jornal O Globo
|